Acabou de acontecer isto comigo: enquanto lutava para parir uma análise de três teorias da administração, encontrei sem querer uma pasta com textos antigos, da época da faculdade, e pus-me a ler minha própria produção relembrando-me (ou não) das coisas de um passado não tão distante, acontecido há uns oito ou nove anos atrás.
Entre eles, encontrei o texto abaixo: prova inconteste de que o passar do tempo anda matando meus neurônios - já que criatividade assim não sai desta cabecinha oca há muitas e muitas primaveras.
O desafio era criar um texto a partir do seguinte título: Qual é mesmo a luta entre Deus e o Diabo?
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- Meu nome? Tenho muitos. As pessoas me chamam de Deus, Senhor, Jeová... Você sabe, meu filho, a quem me chamar de coração, atenderei...====================================
- Tá bom, e eu sou o Papai Noel. Jingle Bells pro senhor...
Ele, o Onipotente, o Todo Poderoso, Onipresente e todo o resto, ali naquela cadeira dura de delegacia, algemado. Se São Jorge ou seu amigo Gabriel, o Anjo, o vissem daquele jeito, Ele estaria desmoralizado para sempre no céu. E o pior: o delegado barbudo que estava lhe pregando aquela peça fora feito à sua imagem e semelhança. Até o bigode era parecido...
- Falsidade ideológica... - anotou o delegado num bloquinho de papel. - Tá bom, meu senhor, e o que o senhor alega que estava fazendo quando foi pego roubando frango naquela padaria?
- Roubando? - o réu sorriu, com placidez e um pingo de benevolência. - Não, meu filho, eu estava dando comida aos que necessitam...
- Sei. Há dois minutos o senhor era Deus. Agora é... Robin... Hood... - continuou o magistrado, enquanto anotava tudinho no bloco amarelado. - E o que mais?
Porque não ouvira o conselho de seu fiel apóstolo Pedro? Poderia muito bem ter feito um milagrezinho de nada e produzido meia dúzia de frangos para matar a fome daquele povo. Ou um panelão de feijoada... Mas não... resolveu descer e, com as próprias mãos, dar um jeito no problema...
- Meu filho, você será perdoado porque não sabe o que faz - arriscou, tentando mostrar ao delegado barbudo que, como um bom Deus, não guardava rancor. Porém, existem coisas de que até Deus duvida... O delegado foi ficando vermelho e furioso, levantou-se da mesa e deu um bofetão no bloquinho de papel.
- Olhe só, meu velho, eu aguento tudo, - gritou o oficial enraivecido - menos que me venham com esse papo de salvação. Soldado! - berrou pela janelinha que dava para a saleta ao lado. Quando um homem fardado apareceu, a resposta foi curta. - Enquadra o elemento. Desacato à autoridade.
Com um suspiro de exasperação, Deus cedeu à tentação pela primeira vez em sua longa vida, e, dando de ombros, desapareceu no ar. Chegando no céu, tirou os sapatos e sentou em seu grande trono de nuvens. Enquanto massageava os pulsos, doloridos por causa das algemas, sentiu um cheirinho de enxofre e, sem se virar, falou com o visitante.
- Veio procurar o que aqui hoje, Lúcifer?
- Nada, Deus - respondeu o diabo, alisando malandramente o manto vermelho. - Só vim pedir para dar uma olhada na sua ficha criminal...
Com uma careta, Deus jogou um dos sapatos em Lúcifer, que desapareceu com uma gargalhada que São João classificaria como "infernal".
- Em que mundo fomos parar, meu Deus?
Dando-se conta do ridículo da situação, sorriu. Deus era ele.
- Lutar contra o Diabo é fácil, mas esses meus filhos são dose!
Nesta época eu não fazia idéia do que era a vida, mas em contrapartida poderia ser contratada como redatora do Saturday Night Live...
2 comentários:
tive a nítida sensação de já ter lido isso... =)
é pelo mesmo motivo que eu, reduzida à minha insignificância gráfica, blogo! =D
Que texto massa :-)
Eu acho a mesma coisa: Um dia eu já escrevi bem, mas esse tempo esta muitoooo distante.
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