31 de dezembro de 2009

It's real love




Aquela menina nunca tinha experimentado uma sensação tão poderosa. Tão potente e, ao mesmo tempo, tão libertadora. Com sete anos de idade, o impulso irrefreável de rir, chorar e dançar a mesmo tempo a apavorava tanto quanto a fascinava. Tudo por causa de uma música.

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Em 2009 voltei de fato a estudar. Fiz a viagem de lua-de-mel sonhada havia anos, e cortei meu cabelo curto tantas vezes quanto desejei que eles ficassem logo longos. Presenciei a chegada de um milagre à vida de uma amiga querida, e dei as boas-vindas a meus primeiros cabelos brancos. No ano da minha volta de saturno, perdi a razão da minha vida e simplesmente me deixei esvaziar.

Então qual a surpresa quando, nos últimos suspiros do ano, percebi ter recomeçado a construir minha alma, tijolo por tijolo, justamente com o estofo do qual originalmente eu era feita?

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Quando eu era criança, um vinil com capa preta e branca me apresentou ao mundo fantástico dos Beatles. O album era With The Beatles, e minha música preferida era Hold me Tight. A melodia contagiante e o ritmo das palmas sempre pareceram um mantra para mim, impelindo-me a outros estágios de consciência. Da mesma forma como It won't be long me traz a recordação onírica de uma longa viagem de ônibus pela cidade, num dia de chuva intensa. Uma alameda ladeada por altas árvores, evocando libertação e familiaridade. Basta dizer que aos nove anos eu economizava dinheiro com o único fim de comprar mais vinis dos meus amados cabeludos.

É com eles que vou passar a virada do ano -- me reconstruindo, segundo após segundo, com a energia fantástica que emana de cada uma de suas obras. Refazendo a base de minha personalidade para encarar novamente em alguns dias o mundo que me aguarda --- o mundo que não parou enquanto eu morria, nem está interessado em conhecer minha dor.

Espero estar suficientemente preparada.

Que 2010 seja o ano da (re)descoberta. Sejamos felizes e infelizes, mas sejamos nós mesmos -- plenamente conscientes & true to ourselves.

29 de dezembro de 2009

Uma fase Lennon da vida...

...pede um clássico como esse.

HELP!



Help, I need somebody,
Help, not just anybody,
Help, you know I need someone, help.

When I was younger, so much younger than today,
I never needed anybody's help in any way.
But now these days are gone, I'm not so self assured,
Now I find I've changed my mind and opened up the doors.

Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being round.
Help me, get my feet back on the ground,
Won't you please, please help me?

And now my life has changed in oh so many ways,
My independence seems to vanish in the haze.
But every now and then I feel so insecure,
I know that I just need you like I've never done before.

Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being round.
Help me, get my feet back on the ground,
Won't you please, please help me.

When I was younger, so much younger than today,
I never needed anybody's help in any way.
But now these days are gone, I'm not so self assured,
Now I find I've changed my mind and opened up the doors.

Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being round.
Help me, get my feet back on the ground,
Won't you please, please help me, help me, help me, oh.

27 de dezembro de 2009

Para estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro.

24 de dezembro de 2009

Pensamentinho

Definitivamente, a noite é a pior parte.

Eternal sunshine of the spotless mind!

How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd;

Labour and rest, that equal periods keep;
"Obedient slumbers that can wake and weep;"
Desires compos'd, affections ever ev'n,
Tears that delight, and sighs that waft to Heav'n.
Grace shines around her with serenest beams,
And whisp'ring angels prompt her golden dreams.

Excerpt from Eloisa to Abelard, by Alexander Pope

23 de dezembro de 2009

But I'll Be True To You

Por essas e outras é que gosto tanto do estilo de Stephenie Meyer: ela consegue ser tão melodramática quanto eu.

"Eu parecia uma lua perdida -- meu planeta destruído em algum cenário desolado de cinema-catástrofe -- que continuava, apesar de tudo, a rodar numa órbita muito estreita pelo espaço vazio que ficou, ignorando as leis da gravidade."

Bella Swan, em Lua Nova.

Para combinar, a trilha sonora do dia - Satellite Heart, de Anya Marina.



Satellite Heart

So Pretty, So Smart
Such A Waste Of A Young Heart
What a Pitty What a Sham
What's The Matter With You Man?

Don't You See What's Wrong
Can't You Get It Right?
Outta Mind, And Outta Sight
Call On All Your Girls
Don't Forget The Boys
Put a Lid On All That Noise

I'm A Satellite Heart
Lost In The Dark
I'm Spun Out So Far, You Stop I Start
But I'll Be True To You

I Hear Your Living Out Of State
Runnin' In A Whole New Scene
You Know I Haven't Slept In Weeks
You're The Only Thing I See

I'm A Satellite Heart
Lost In The Dark
I'm Spun Out So Far, You Stop I Start
But I'll Be True To You

No Matter What You Do, Yeah I'll Be True To You.

16 de dezembro de 2009

O céu ganhou uma nova estrela


Só existiam duas explicações para o que estava acontecendo. E uma delas envolvia uma dose massiva de ironia por parte das forças divinas -- então, para não blasfemar, preferi considerar apenas a seguda opção.

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À beira dos trinta anos, descobri ter uma resposta pronta, imediata -- e sincera -- para a clássica pergunta "qual seu maior medo?". Estupidamente, se trata de um fato do qual é simplesmente impossível fugir: a morte dos meus pais. Tendo isso em mente, só era possível admitir que fazia parte da minha missão neste mundo adentrar três vezes ao dia uma asséptica sala de UTI para dar de cara com o corpo inerte do meu pai -- a esta altura totalmente sedado, ligado a meia dúzia de tubos de soro e a uma máquina pavorosa que empurrava com força brutal o ar para dentro do que restava de seus pulmões.

Depois dele ter implorado, eu um dos últimos atos de consciência, para que eu o levasse para dormir em minha casa porque "sabia que estava chegando ao fim", seria de se esperar que encarar a inconsciência fosse uma tarefa um pouco menos dolorida. Mas vê-lo naquela forma de semi-cadáver tirou de mim em um único golpe qualquer resquício de força que pudesse restar em meu corpo. Na altura da última visita da noite, meu cérebro gritava histericamente para que as pernas dessem meia-volta e se afastassem dali o mais rápido possível. Mas aí uma vozinha falou no fundo da minha cabeça: "E se ESSE for o desafio da sua vida?"

De repente as coisas pareceram fazer mais sentido. Se estamos neste planeta por algum motivo, acredito piamente que ele seja CRESCER. Melhorar. Avançar. Como diz aquela música, em algum momento da vida o ser humano precisa aprender: "reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima". Meu pai, mesmo dormindo profundamente, precisava de mim. E eu não podia desistir só porque estar com ele naquela momento era a concretização dos meus mais selvagens e dolorosos pesadelos, podia? Afinal de contas, durante toda a vida ele escalou montanhas por mim. Abriu oceanos. Parou tempestades. Como eu poderia deixar o medo me afastar?

Respirei fundo. Uma vez. Duas. Três.

Adentrei a sala e me concentrei em aproveitar meu quinhão de 15 minutos para dizer suavemente em seu ouvido, enquanto segurava sua mão, o quanto ele tinha sido maravilhoso. Como ele foi perfeito em todas as horas da vida, e tinha transformado três bebezinhos -- meus irmãos e eu -- em cidadãos honestos, justos, instruídos. Acima de tudo, falei do quanto ele foi, é e sempre será amado. Que seu coração e o meu nunca iriam se separar; porque enquanto eu existisse, uma parte dele estaria sempre viva; que Deus tinha me abençoado por ter sido a menininha do papai -- e graças a isso nunca perdi uma oportunidade de mostrar o quanto ele era vital para minha existência (e sanidade).

Também fiz questão de dizer que ele estava livre para seguir seu caminho. Que se libertasse deste corpo incômodo, não se prendendo ao que ficou, e fosse alegremente para o lado dos entes queridos que já nos deixaram. Aqui, a gente daria conta do recado -- afinal de contas, fomos educados pelos melhores pais que o mundo poderia conceber.

Quando a enfermeira informou que a visita estava encerrada, beijei sua mão e sua cabeça, como sempre fiz a vida toda, e saí da sala com uma estranha sensação de alívio.

Eu não sabia que aquela seria a última vez que veria seu coração batendo.

Meu melhor amigo, meu protetor, meu conselheiro, meu mecânico, motorista e encanador, meu exemplo de vida, nos deixou hoje às 7h15 da manhã. Nesta exata hora, acordei de repente de um sono agitado e senti uma brisa de conforto e alívio passando por mim. Tenho certeza que era ele, minha alma gêmea, passando para se despedir. Não senti medo nem dor - só um grande vazio que mais tarde, suponho, será preenchido com uma enorme saudade. Mas no fundo de minha alma, tenho certeza de uma coisa: ele me perdoou por não tê-lo levado para dormir em minha casa naquele dia.

Agora, como diz meu sobrinho de quatro anos, o céu ganhou mais uma estrela. E é com a sabedoria irrepreensível de Adriana Partimpim que deixo esta homenagem a meu grande herói: JAIRO DE OLIVEIRA ANDRADE.





Saiba

Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Saddam Hussein
Quem tem grana e quem não tem

Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu

Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar

Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano

Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao-Tsé, Moisés, Ramsés, Pelé
Gandhi, Mike Tyson, Salomé

Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você...


Te amo, pai. A gente se vê.

14 de dezembro de 2009

Quando você pensa que está mal, acredite... PODE PIORAR.

Afinal de contas, quando seu pai está morrendo numa UTI, é praticamente incapacitante ouvir ele te chamar para dizer que sabe estar perto do fim, e pedir um favor: que você o tire dali para dormir na sua casa.

Pela última vez.

"Se você disser não eu não vou aguentar", ele completou.

Pelo menos isso respondeu minha dúvida a respeito das lágrimas -- elas não estão nem perto de secar.

13 de dezembro de 2009

I'm down

Eh como se meus joelhos tivessem magicamente se transformado em borracha. Se o mundo um dia quis me ver no chao, essa eh a ocasiao perfeita: bem em frente a esta porta branca.

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Minha memoria nunca foi um ponto pelo qual me destacasse. Nao que eu seja intelectualmente prejudicada -- aa parte uma timidez compulsiva que me fez passar o primeiro grau praticamente despercebida, sempre fui considerada dotada; boa escritora, perceptiva, com um amplo vocabulario. Mas a memoria eh um capitulo aa parte. Se nao fosse uma agenda surrada que mora no fundo da bolsa, em meio a outras bugingangas indispensaveis como pinca e remedio para as mais diversas enfermidades, as coisas importantes da vida nao seriam mais que uma vaga sensacao no fundo de minha mente.

Mas esta porta... Suponho que apesar da amnesia patologica, esta porta vai habitar meus sonhos -- e pesadelos -- pelo resto de minha existencia. Branca, com tres linhas horizontais exibindo numa letra aquadradada as palavras que minha alma sempre se recusou a aceitar: UTI. ACESSO EXCLUSIVO A PACIENTES.

La dentro, mal acomodado em um leito pequeno e conectado a um sem numero de tubos e aparelhos, meu melhor amigo -- o heroi de minha tola historia de vida, uma das poucas razoes para eu me levantar todos os dias e fingir que pertenco a este mundo.

Meu pai.

Desde o segundo em que descobri que ele tinha cancer -- obviamente meu senso anormal de responsabilidade, que me leva a agir como se fosse a mae de meus pais e nao o contrario, me brindou com a terrivel descoberta em primeira mao -- tenho passado por uma serie de fases que dariam a um psicanalista uma bela tese de doutorado.


Primeiro veio a dor incapacitante.


Era impossivel parar de chorar. Comer. Dormir. Respirar. Como se alguem bastante sadico tivesse enfiado a mao embaixo de minhas costelas e arrancado o que pudesse agarrar: coracao, pulmoes. O que ficou foi so um buraco vazio que latejava constantemente, inflamado e sangrando. Esse periodo durou praticamente um mes, durante o qual nada parecia ter relevancia suficiente para me trazer de volta do mundo dos semi-mortos.


Depois veio a compulsao. Entreguei minha alma aa leitura mais extensa que pude encontrar: a saga Crepusculo, que deve somar mais de duas mil paginas de um texto intrigantemente reconfortante. Ainda agora, quando nao eh estritamente necessario estar verdadeiramente presente em uma situacao, tenho me agarrado aos ja surrados livros como a uma boia -- evitando assim afundar nas aguas negras da depressao que me cercam. Aas vezes intercalo a leitura com o estudo de um livro espirita -- ainda que na maioria das ocasioes as oracoes que faco sejam espontaneas e nao sigam nenhum tipo especifico de cartilha.


Apesar dos joelhos de borracha, que sustentam so parcialmente o peso do corpo, ainda nao encontrei forcas em minha alma para verdadeiramente me prostrar de joelhos e suplicar. Acho que nao sei ao certo pelo que pedir -- por ele, eh claro. Saude eh fisicamente inviavel. Conforto? Ou uma morte rapida? A cada segundo o peso que me puxa para baixo parece maior, esmagando-me como uma pluma marcando a ultima pagina de um dicionario.


Gracas aa exorbitante bondade de minhas colegas de trabalho, assim que as coisas se mostraram serias fui imediatamemte colocada de ferias, aliviando ao menos a obrigacao de procurar algum sentido na rotina pouco edificante e certamente insignificante de assessora de imprensa.


Mas ha muitos dias nao tenho mais lagrimas, so uma dor surda e entorpecedora que ao mesmo tempo me distancia das pessoas ao redor e me torna estranhamente irritada com sua existencia -- como eles podem sorrir enquanto ha tanta dor acontecendo? Como o mundo pode continuar girando enquanto a razao de minha existencia jaz em um leito de hospital, semi inerte atras das portas brancas, decaindo visivelmente a cada dia?


Entre a depressao e a compulsao, houve ainda o desejo da morte. Se era este o caminho mais curto para o reencontro, porque nao optar por seguir meu pai no segundo em que ele partisse? Num momento de loucura, achei ter descoberto nessa opcao a resposta para nunca ter me deixado levar pela questao filhos. Aos quase trinta anos, minha existencia se resume a um trabalho mais estressante que gratificante, pai, mae, dois irmaos e um marido que tem assistido, impotente, minha rapida deterioracao a um estado de zumbi; com muito a fazer na pratica -- cuidar de todos os hiatos do dia a dia que venho negligenciando, como supermercado, faxina, louca, lavanderia -- mas pouco ou nenhum controle sobre meu estado sombrio de espirito. Sim, poucos danos seriam deixados para tras. Mas meu pai nao quereria isso, o que faz de meu futuro um descomunal ponto de interrogacao.


Por enquanto, me acomodo com os fones do iPod enterrados nos ouvidos, precariamente empoleirada em uma maca coberta por um colchao azul, esperando mais uma vez a abertura das portas brancas para o terceiro e ultimo turno de visitas do dia. Tento disfarcar as maos tremulas apertando uma na outra aa frente do corpo, mais uma vez me perguntando se as lagrimas de fato secaram para sempre.


E a ultima frase da musica chama minha atencao como uma chicotada:


"Cause everything, everything ends..."