Aquela menina nunca tinha experimentado uma sensação tão poderosa. Tão potente e, ao mesmo tempo, tão libertadora. Com sete anos de idade, o impulso irrefreável de rir, chorar e dançar a mesmo tempo a apavorava tanto quanto a fascinava. Tudo por causa de uma música.
Em 2009 voltei de fato a estudar. Fiz a viagem de lua-de-mel sonhada havia anos, e cortei meu cabelo curto tantas vezes quanto desejei que eles ficassem logo longos. Presenciei a chegada de um milagre à vida de uma amiga querida, e dei as boas-vindas a meus primeiros cabelos brancos. No ano da minha volta de saturno, perdi a razão da minha vida e simplesmente me deixei esvaziar.
Então qual a surpresa quando, nos últimos suspiros do ano, percebi ter recomeçado a construir minha alma, tijolo por tijolo, justamente com o estofo do qual originalmente eu era feita?
Quando eu era criança, um vinil com capa preta e branca me apresentou ao mundo fantástico dos Beatles. O album era With The Beatles, e minha música preferida era Hold me Tight. A melodia contagiante e o ritmo das palmas sempre pareceram um mantra para mim, impelindo-me a outros estágios de consciência. Da mesma forma como It won't be long me traz a recordação onírica de uma longa viagem de ônibus pela cidade, num dia de chuva intensa. Uma alameda ladeada por altas árvores, evocando libertação e familiaridade. Basta dizer que aos nove anos eu economizava dinheiro com o único fim de comprar mais vinis dos meus amados cabeludos.
É com eles que vou passar a virada do ano -- me reconstruindo, segundo após segundo, com a energia fantástica que emana de cada uma de suas obras. Refazendo a base de minha personalidade para encarar novamente em alguns dias o mundo que me aguarda --- o mundo que não parou enquanto eu morria, nem está interessado em conhecer minha dor.
Espero estar suficientemente preparada.
Que 2010 seja o ano da (re)descoberta. Sejamos felizes e infelizes, mas sejamos nós mesmos -- plenamente conscientes & true to ourselves.
"Sei que meu olhar deve ser o de uma pessoa primitiva que se entrega toda ao mundo, primitiva como os deuses que só admitem vastamente o bem e o mal e não querem conhecer o bem enovelado como em cabelos no mal, mal que é o bom."
Clarice Lispector, Água Viva (1973).
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