6 de março de 2009

Epitáfio

Ontem tive que lidar com uma notícia triste, mas que me fez pensar. Uma criança de nove anos, abandonada pela mãe, criada apenas por um (provavelmente) assoberbado pai, chegando em casa da escola, resolveu pôr um fim em tudo. Subiu em algum lugar alto (presumo), amarrou um cinto em volta do pescoço.

Pulou.

Parafraseando a reportagem ouvida por uma amiga no rádio, "o corpinho" foi levado ao IML. Puft. Acabou-se.

Isto me fez raciocinar: e quando eu me for, o que ficará? Que imagem permanecerá de mim?

Resolvi então fazer meio que meu próprio epitáfio, para ser usado quando eu morrer, daqui a cento e trinta e nove anos.

Quem sou eu?

Eu gosto de caminhar (este texto foi elaborado durante um percurso entre o trabalho e a aula). Acredito que borboletas são bons presságios, e que as pessoas mais simples entendem mais do que falam que qualquer intelectual que nunca viveu de fato a vida. Amo fotografia: é uma das únicas formas de materializar para a multidão minha própria visão de mundo. Não guardo roupas pelo avesso nem por decreto, porque segundo minha avó, o diabo dança dentro delas. Acho enfadonhas todas as discussões teóricas, principalmente aquelas em que o assunto em questão é menos importante que o ego dos participantes. Fico triste com quem me priva de uma crítica - ou seja, de uma oportunidade de crescer. Sou preguiçosa. Vivo pela inércia. Morro de frio. Repudio adultos saudáveis que exploram crianças em vez de utilizar-se do recurso único que é a mão de obra braçal. Também não suporto ver pessoas idosas, cheias de histórias para contar e vazios de energia, dependendo da mão de obra braçal para viver. Não existo sem plantas, sem música e sem meu edredom. Tenho fases de estar no mundo, entre as pessoas. Tenho fases de estar sozinha com a minha janela. Bebo menos água do que deveria. Arrumo as prateleiras das lojas porque sou obcecada por simetria - mas tenho medo de levar uma bronca dos vendedores. Prefiro um picolé de limão a qualquer sabor de sorvete. Sempre quis fazer uma tatuagem, mas nunca tive coragem. Ando mais de táxi do que deveria, por medo dos ônibus à noite. Sofro de enxaqueca, no momento controlada com o consumo diário de antidepressivos. Gosto de usar canetas até o fim (sequei duas escrevendo este texto), me dá uma tremenda sensação de paz. Já sei de antemão que nunca vou me adaptar a nenhuma reforma ortográfica - apaixonei-me pelas palavras como elas eram há quinze anos e assim continuarei. Não troco nenhuma festa do mundo por um bom filme no sofá, no colo de marido. Falando em colo: o da minha mãe é o melhor lugar do universo. Falando em mãe: herdei da minha a personalidade. A alma, herdei do meu pai (não trocaria a vida com eles por nada). Sou tão sintética que tenho medo de não preencher uma folha em branco inteira, mesmo com um resumo do Velho Testamento. Aliás, acredito em Deus, mas não tenho religião. Acredito na bondade. Acredito em premonições. Acredito no tarot. Não acredito no futuro.

Mas estou tentando. :)


3 comentários:

BETA FERNANDES disse...

Amigaaaa, que coisa mais linda :-)
Eu chorei lendo. Somos tão parecidas, ne não???
Com tanto para viver e correndo contra o tempo para ser feliz...

"Drês" disse...

Nossa, por um acaso me redirecionei a teu blog e.. fiquei infinitamente admirada com suas palavras. São simples como uma borboleta, instigantes como o céu repleto de nuvens e .. chega de "poesia", adorei teu blog e o jeito no qual você se expressa. Em alguns aspectos somos parecidas (principalmente com relação a inércia, haha).

Parabéns, se teu epitáfio for mesmo este.. muita gente irá velar por você, haha. - Piadinha sem graça -

Enfim, sempre que puder eu passarei por aqui.. teu blog já está na imensa lista de blogs favoritos.

Fabiana disse...

Adriane,

seja bem vinda ao meu cantinho de felicidade e loucura! :)